sexta-feira, 14 de setembro de 2018

A INTOLERÂNCIA VEM DE TODOS OS LADOS


A intolerância vem de todos os lados e faz com que não percebamos que o que queremos é apenas chegar ao mesmo objetivo. Na verdade, não existe lado certo ou errado. Todas as direções levarão a um lugar comum, onde todos querem chegar - à evolução material, emocional e espiritual do ser humano. Essa conjectura se deve à imensidão de duelos nas mídias entre esquerda e direita. “Esquerdista” agora é palavra non grata, devido ao fracasso do Partido dos Trabalhadores, que gerou a prisão de seu maior líder. Antigamente, numa visão simplória minha, eu sei, achava que se eu concordasse com as práticas governamentais vigentes, eu seria da direita, e se eu fosse contra, eu seria da esquerda. Ao longo dos anos e de pesquisa, percebi que há várias conotações para a palavra “direita” e “esquerda”. “Direita”, muitas vezes demonstra tom positivo, como se fosse o “certinho” da história; afinal, na história, Jesus sentou-se à direita do Pai. No nosso corpo, usamos mais o lado direito... “Esquerda” já tem um tom mais negativo, transgressor, contestador, de luta e a favor das classes menos favorecidas. Fazendo uma viagem no tempo para entender melhor, antes da Revolução Francesa, as classes sociais se dividiam em nobreza, clero e burguesia e na Assembleia para instituir a Constituição francesa, houve a partição. A burguesia queria diminuir o poder da nobreza e do clero, mas não queria se misturar aos pobres – os trabalhadores, então, escolheu sentar-se à direita do Presidente da Assembleia, a favor do rei e da igreja. Eram conservadores e tradicionalistas. Os que se sentaram à esquerda queriam uma mudança radical, o fim da monarquia e maior poder para o povo, daí a relação com a luta dos trabalhadores. Nos dias atuais, fazendo uma analogia, temos: a nobreza (presidente da república), o clero (bancada evangélica) e a burguesia (empresariado), e muitos outros fatores foram associados às designações “esquerda” e “direita” o que gerou a guerra que vemos hoje nas mídias sociais. Direitistas acusam os esquerdistas de destruírem a família tradicional, negarem a igreja e causarem o declínio moral da sociedade, seguindo as ideias Marxistas e de Engels. O que não consigo entender é como a política pode influenciar na moralidade de um homem que trai a mulher, ou espanca, ou estupra ou abandona seus filhos, ou mesmo de uma mulher que abandona a família. Hoje, estamos vivendo em um mundo violento, em que as pessoas não têm o menor despudor de matar por dinheiro e poder ou para conquistar território. As pessoas querem facilidades, a materialidade, possuir as coisas sem importar como consegui-las, nem que tenha de arrancar a cabeça do irmão. Creio que tudo isso é mais um problema de caráter e alma do que político. 
Não culpo as pessoas desesperadas e que se iludem por um discurso diferente de tudo que já vimos e que não deu certo, porém, o endeusamento de determinados candidatos, o número crescente de cabos eleitorais gratuitos têm assustado muito com postagens agressivas, repetitivas, absurdas e algumas falsas, deturpadas e manipuladas para ludibriar aquele que não quer votar. De repente as mídias sociais se transformaram em um ringue de luta livre, em que “girondinos” e “jacobinos”, leiam-se direitistas e esquerdistas despejam frases de efeitos, grosseiras, ofensivas, espinhosas, inclusive maculando amizades. A intolerância é mostrada como um tsunami, revelando o lado negro dos brasileiros: racistas, homofóbicos, machistas, xenófobos e os mesmos que clamam Deus e dizem que vão orar por seu candidato, comemoram a morte de inocentes, declaram ódio a imigrantes desesperados, famintos e ansiosos por uma oportunidade de sobrevivência. Estou assustada, realmente. Essas pessoas que demonstram tanto ódio e rancor são as mesmas que querem pegar em armas para combater a violência e quando lembramos que durante a ditadura, grupos pegaram em armas para lutar contra o autoritarismo, a censura e a truculência, eles gritam: “esquerdistas, comunistas, socialistas”. O que percebo é que todos estão com muita raiva, revolta, desesperançados e com isso, a mente fica aberta a quaisquer oportunistas com discursos inflamados que prometem justiça, ordem e combate a todos os males que sufocam o brasileiro. Só o que nós, brasileiros, precisamos é que aquele que colocar a faixa presidencial seja um homem íntegro, competente, que faça a Constituição funcionar, que não deixe o nosso país definhar, que, embora haja contradições, encontre meios não danosos de combater a violência; que não se deixe levar pela luxúria que o poder desperta, que trabalhe para o povo, que seja realmente um líder para nossa nação. Difícil? Eu sei, mas não impossível. No mais, todos queremos boas mudanças; mas, vale lembrar que a mudança começa em nós, na nossa consciência e na nossa alma. Sejamos mais tolerantes, mais ouvintes, saibamos dialogar e façamos dos debates uma dialética, tais quais os filósofos faziam para aprimorar as ideias.


Por: Denise Constantino

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

FLIP 2018


Demorou para eu conseguir pegar em papel e caneta para escrever sobre a FLIP 2018, a 16ª. Lembro que somente perdi a 1ª, ou seja, há 15 anos frequento a Festa Literária Internacional de Paraty, nos seus cinco dias intensos de pura cultura e literatura. E gradativamente, a cada ano, aumenta o número de frequentadores, uns loucos por literatura, outros apenas curiosos pela movimentação turística na histórica cidade ou pela circulação de artistas. Nesse ano não vi placas de “não há vagas” nas pousadas, mas percebi um grande e insuportável burburinho pela cidade. Cheguei à conclusão de que eram passantes, público “day use”. Não se pode negar que o público da Flip tem mudado. Tornou-se uma festa popular.
Esse ano a homenageada foi Hilda Hilst, uma escritora e poetisa além de sua época que acreditava no místico e no sobrenatural. A escolha não poderia ser melhor em tempo de plena revolução e “empoderamento” feminino. Aliás, a presença feminina na 16ª Flip foi maciça, inclusive com uma casa só para elas: Casa Insubmissa de Mulheres Negras, onde autoras negras falaram sobre seu espaço na cultura e na literatura. Falando em casas parceiras, esse ano foram 29, com programações intensas e atrativas, até mais do que no palco da programação principal. Só não esperem que eu diga o nome de todas, porque nem a metade consegui explorar.
A Casa Não-Ficção Época Vogue propôs debates e palestras pertinentes a temas da atualidade, incluindo política, economia e feminismo. Na manhã de quinta-feira, dia 26 de julho, Fernanda Young, o publicitário Dedé Laurentino, mediados pela diretora de redação da Vogue, Silvia Rogar, conversaram como “O Feminino e o Feminismo”. Fernanda, com toda sua extroversão, disse que não gosta da palavra “empoderamento”. Primeiro porque veio do estrangeirismo e segundo, porque acha que o poder é burro e estúpido. Ainda criticou a ABL, com seus acadêmicos togados e os envolvidos na programação principal da Flip, os quais disse formarem uma “panelinha”. A Casa Vogue ainda recebeu Fernanda Torres, o juiz federal Marcelo Bretas, o escritor e comediante Gregório Duvivier, Zélia Duncan, Fernando Haddad e Guilherme Boulos. As palestras foram bem concorridas. As filas chegavam a quilômetros de distância e a espera chegava a mais de 2 horas para garantir um dos poucos lugares disponíveis. Uma verdadeira maratona na qual não obtive muito sucesso.
Outra casa bem concorrida foi a Casa Folha, tal qual todo ano. A fila para a Monja Coen chegou até a ponte que liga o centro histórico ao bairro Pontal. Nessa Casa ainda tiveram Zeca Camargo e Ruy Castro, palestrantes assíduos de várias Flips. Como de costume, após as 20h, a Casa Folha ofereceu boa música e cerveja para os visitantes. Infelizmente, nesse ano só consegui entrar na primeira noite.
Hilda Hilst teve direito a uma casa em seu nome, na Praça da Matriz, a Casa Instituto Hilda Hilst, cuja programação também foi bem concorrida e o espaço bem limitado não foi o bastante para a quantidade de interessados. Eu mesma fiquei de fora. 
O SESC se desdobrou em 4 espaços, mas não apresentou nomes de destaque e grande representatividade nas palestras, como nos anos anteriores, exceto a apresentação de Fernanda Montenegro. A Unidade Caborê está ainda mais agradável para passar o dia, boa decoração em meio à natureza com as mais diversas formas de arte. A unidade SESC, no centro histórico ainda ofereceu as oficinas literárias, muito concorridas.
Pela segunda vez na FLIP, mas com uma abrangência maior, o espaço do Museu da Língua Portuguesa, patrocinado pela EDP, ofereceu um confortável lounge ao público, com degustação de comidinhas e bebidas, prestigiando os países que falam a língua portuguesa. À noite, aconteceram saraus e música boa com direito a coreografias, lideradas por recreadores dançarinos, o que proporcionaram momentos de muita diversão.
Nesse ano teve até casa flutuante, aliás, duas: Barco Flipei e o Barco Laranja Oificial. O primeiro, que tinha ares de barco protesto, pró-Lula recebeu Gregório Duvivier, Marcelo Freixo e Anielle Franco (irmã de Marielle), Guilherme Boulos e Djamila Ribeiro. Ainda teve um ritual antropofágico de “fora Temer”.
Outras casas mereceram visitas: Casa Paratodxs, Casa Philos, Casa da Porta Amarela, Casa Fantástica e Casa do Desejo, estreantes em Paraty; e Casa Libre e Nuvem de Livros, Publishnews e Casa Sesi, além de muitas outras.
Se eu fui à tenda da programação principal? Sim, na abertura da Flip, quarta-feira, às 20h, assistir Fernanda Montenegro ler textos, brilhantemente, de Hilda Hilst, seguida com a bela declamação de poesia de Bell Puã, que foi amplamente aplaudida tal qual foi a grande Fernanda.
Fazendo um balanço final, a Flip sempre é Flip. Um evento que continua valendo a pena passar por todas as dificuldades para conseguir assistir um bate-papo informativo e culturalmente rico, embora não tenha me sentido muito confortável esse ano, mesmo diante de tantas casas parceiras. Antes tinha a sensação de que a Flip era minha. Agora, sei que ela se repartiu em milhares de braços, que não são somente de professores de literatura, nem de escritores ou editores ou críticos literários, mas de uma diversidade imensa da população que enchem as ruas de Paraty, fogosas em busca de opiniões, ideias, debates e informações. 

Por: Denise Constantino