Demorou para eu conseguir pegar
em papel e caneta para escrever sobre a FLIP 2018, a 16ª. Lembro que somente
perdi a 1ª, ou seja, há 15 anos frequento a Festa Literária Internacional de
Paraty, nos seus cinco dias intensos de pura cultura e literatura. E gradativamente,
a cada ano, aumenta o número de frequentadores, uns loucos por literatura,
outros apenas curiosos pela movimentação turística na histórica cidade ou pela
circulação de artistas. Nesse ano não vi placas de “não há vagas” nas pousadas,
mas percebi um grande e insuportável burburinho pela cidade. Cheguei à
conclusão de que eram passantes, público “day use”. Não se pode negar que o
público da Flip tem mudado. Tornou-se uma festa popular.
Esse ano a homenageada foi Hilda
Hilst, uma escritora e poetisa além de sua época que acreditava no místico e no
sobrenatural. A escolha não poderia ser melhor em tempo de plena revolução e
“empoderamento” feminino. Aliás, a presença feminina na 16ª Flip foi maciça,
inclusive com uma casa só para elas: Casa Insubmissa de Mulheres Negras, onde
autoras negras falaram sobre seu espaço na cultura e na literatura. Falando em
casas parceiras, esse ano foram 29, com programações intensas e atrativas, até
mais do que no palco da programação principal. Só não esperem que eu diga o
nome de todas, porque nem a metade consegui explorar.
A Casa Não-Ficção Época Vogue
propôs debates e palestras pertinentes a temas da atualidade, incluindo
política, economia e feminismo. Na manhã de quinta-feira, dia 26 de julho,
Fernanda Young, o publicitário Dedé Laurentino, mediados pela diretora de
redação da Vogue, Silvia Rogar, conversaram como “O Feminino e o Feminismo”.
Fernanda, com toda sua extroversão, disse que não gosta da palavra
“empoderamento”. Primeiro porque veio do estrangeirismo e segundo, porque acha
que o poder é burro e estúpido. Ainda criticou a ABL, com seus acadêmicos
togados e os envolvidos na programação principal da Flip, os quais disse
formarem uma “panelinha”. A Casa Vogue ainda recebeu Fernanda Torres, o juiz
federal Marcelo Bretas, o escritor e comediante Gregório Duvivier, Zélia
Duncan, Fernando Haddad e Guilherme Boulos. As palestras foram bem concorridas.
As filas chegavam a quilômetros de distância e a espera chegava a mais de 2
horas para garantir um dos poucos lugares disponíveis. Uma verdadeira maratona na
qual não obtive muito sucesso.
Outra casa bem concorrida foi a
Casa Folha, tal qual todo ano. A fila para a Monja Coen chegou até a ponte que
liga o centro histórico ao bairro Pontal. Nessa Casa ainda tiveram Zeca Camargo
e Ruy Castro, palestrantes assíduos de várias Flips. Como de costume, após as
20h, a Casa Folha ofereceu boa música e cerveja para os visitantes.
Infelizmente, nesse ano só consegui entrar na primeira noite.
Hilda Hilst teve direito a uma casa
em seu nome, na Praça da Matriz, a Casa Instituto Hilda Hilst, cuja programação
também foi bem concorrida e o espaço bem limitado não foi o bastante para a
quantidade de interessados. Eu mesma fiquei de fora.
O SESC se desdobrou em 4 espaços,
mas não apresentou nomes de destaque e grande representatividade nas palestras,
como nos anos anteriores, exceto a apresentação de Fernanda Montenegro. A
Unidade Caborê está ainda mais agradável para passar o dia, boa decoração em
meio à natureza com as mais diversas formas de arte. A unidade SESC, no centro
histórico ainda ofereceu as oficinas literárias, muito concorridas.
Pela segunda vez na FLIP, mas com
uma abrangência maior, o espaço do Museu da Língua Portuguesa, patrocinado pela
EDP, ofereceu um confortável lounge ao público, com degustação de comidinhas e
bebidas, prestigiando os países que falam a língua portuguesa. À noite,
aconteceram saraus e música boa com direito a coreografias, lideradas por
recreadores dançarinos, o que proporcionaram momentos de muita diversão.
Nesse ano teve até casa
flutuante, aliás, duas: Barco Flipei e o Barco Laranja Oificial. O primeiro,
que tinha ares de barco protesto, pró-Lula recebeu Gregório Duvivier, Marcelo
Freixo e Anielle Franco (irmã de Marielle), Guilherme Boulos e Djamila Ribeiro.
Ainda teve um ritual antropofágico de “fora Temer”.
Outras casas mereceram visitas:
Casa Paratodxs, Casa Philos, Casa da Porta Amarela, Casa Fantástica e Casa do
Desejo, estreantes em Paraty; e Casa Libre e Nuvem de Livros, Publishnews e
Casa Sesi, além de muitas outras.
Se eu fui à tenda da programação
principal? Sim, na abertura da Flip, quarta-feira, às 20h, assistir Fernanda
Montenegro ler textos, brilhantemente, de Hilda Hilst, seguida com a bela
declamação de poesia de Bell Puã, que foi amplamente aplaudida tal qual foi a
grande Fernanda.
Fazendo um balanço final, a Flip
sempre é Flip. Um evento que continua valendo a pena passar por todas as
dificuldades para conseguir assistir um bate-papo informativo e culturalmente
rico, embora não tenha me sentido muito confortável esse ano, mesmo diante de tantas
casas parceiras. Antes tinha a sensação de que a Flip era minha. Agora, sei que
ela se repartiu em milhares de braços, que não são somente de professores de
literatura, nem de escritores ou editores ou críticos literários, mas de uma
diversidade imensa da população que enchem as ruas de Paraty, fogosas em busca
de opiniões, ideias, debates e informações.