A chama olímpica evoca a lenda de
Prometeu que teria roubado o fogo de Zeus para entregar aos mortais. Como
consequência de seu ato, Zeus, temendo que ele ficasse mais poderoso que os
deuses, puniu-o colocando-o amarrado a uma rocha por toda a eternidade,
enquanto uma grande águia comia seu fígado, que crescia e era comido novamente,
todos os dias.
Foi a partir dos jogos de verão em 1936,
que ocorreu o revezamento de atletas para transportar a tocha com chama. A
partir de então, manteve-se a tradição de transportar a tocha olímpica com um
revezamento por terra até a cidade-sede dos jogos e na cerimônia de abertura,
acende-se a pira olímpica, que se mantém acesa até o encerramento das
competições.
A descoberta do fogo na pré-história
foi fundamental para o homem iniciar seu caminho rumo à civilização, o que o
diferenciou dos outros animais. O fogo proporciona calor, luz e prepara
alimentos e bebidas. Além disso, na antiguidade, o fogo era considerado sagrado
por muitos povos que o cultuavam como símbolo do sol, que por sua vez, seria o
símbolo do Ser Supremo. Basta nos lembrarmos do culto ao fogo nos lares
(através de fogueiras); nas noites de São João; nos rituais de diversos povos e
religiões que acreditavam que o fogo purifica, como por exemplo: os Taoístas,
os Hindus, os Zoroastras, as tribos árabes, os romanos, os gregos, os Celtas e
outros. O fogo é símbolo de purificação e regeneração; queima e consome; faz
renascer e também desaparecer. Por isso, durante a inquisição, queimavam-se os
considerados inimigos da igreja, para purificar sua alma. Ainda citando a
importância do simbolismo do fogo, citamos Fênix, que sem o fogo não poderia
renascer das cinzas.
Essa longa introdução para explicar
a simbologia do fogo e seu papel nos jogos olímpicos é somente para contar a
passagem da tocha olímpica por Angra dos Reis, no dia 27 de julho de 2016, que
deixou o nome do município nas manchetes dos jornais impressos e eletrônicos.
Um grande fiasco. Fiasco esse que começou quando o Brasil foi escolhido e
aceitou ser o país-sede dos Jogos Olímpicos de 2016. O mal deveria ter sido
cortado na raiz. Não foi, e o que se viu em Angra dos Reis foi uma encenação patética que não deu certo. Os brasileiros se
declaram contra o desfile da tocha, mas alguns se candidataram para carregá-la,
com suas histórias de vida, de luta, de resistência, de resiliência, e um
número expressivo da população saiu de suas casas, deixaram de assistir
novelas, somente para ver o desfile triunfal. Grupos se formaram para manifestarem
o repúdio ao evento, que está roubando ou raspando as economias dos cofres
públicos municipais, cuja gestão está mal na fita, devendo salários aos
funcionários e pagamentos aos fornecedores. Até aí tudo bem, todos têm direito
de expressar suas contrariedades. Mas, no meio desses trabalhadores revoltados,
encontram-se também aqueles que roubam a cena muito mais que esses devotados
trabalhadores. Não roubam a cena somente porque usam a camisa em lugar pouco
comum, no rosto, mas pelas atitudes violentas e de vandalismo que cometem e
levam pessoas inocentes a um turbilhão de medo e insegurança. Tudo começou na
saída da tocha, no bairro Japuíba. Quebra-quebra. Batalhão de choque da
polícia. Bombas de efeito moral, gás lacrimejante, correria, tumulto. Olhos
ardendo. Ônibus depredados. Enfrentamento. E o sonho daqueles que se
regozijariam levando a tocha por 200 metros, foi por fogo (ops... água) abaixo.
A tocha foi apagada e junto com os escolhidos, acuados, seguiu de ônibus até o
centro da cidade. Na Praia do Anil, destino final, onde se acenderia a pira, o
cenário não foi diferente. Um amontoado de elementos correndo, fogos estourando
e olhos ardendo. Quando um grupo corre, ninguém quer esperar para perguntar por
quê. Todos correm juntos. E assim começou uma correria desenfreada. Vi mães
aflitas para protegerem seus filhos. Vi crianças chorando. Vi pessoas se
machucando ao correr para um lugar mais seguro. E o desfecho da tocha olímpica
foi deprimente. Não acenderam a pira. A chama não foi acesa. Prometeu nos
entregou o fogo e o apagamos, em vez de cultuarmos. Atos como os que vi no dia
27 de junho estão longe de serem atos civilizados. O que não nos damos conta é
que há muito tempo, mesmo antes da chama olímpica passar por aqui, nosso fígado
já vem sendo devorado todos os dias.
Tudo
isso parece um mau presságio para os dias seguintes, quando os jogos realmente
começarem e toda a atenção estará mais precisamente sobre a cidade do Rio de
Janeiro. Ameaças terroristas. Agravamento da crise econômica após as
Olimpíadas... Tudo que uma chama poderia consumir? O que precisaremos, com
certeza, é renascer das cinzas. Das cinzas dessa tocha apagada. Das cinzas
inexistentes da chama que não foi acesa em Angra dos Reis. E já que para
renascer precisamos do fogo, que possamos criar nosso próprio fogo, não da
forma pré-histórica, mas com o calor da paixão, da esperança e da sensatez,
para que possamos fazer melhor nossas escolhas, inclusive a de nossos
governantes. Assim, quando um evento do porte do revezamento da tocha olímpica
acontecer, possamos ter a oportunidade de comemorar e ter orgulho de nosso país
em vez de nos entregarmos ao afã da revolta.
Por:
Denise Constantino
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