Foi uma vez uma infância. Faz tanto
tempo e ao mesmo tempo, não parece tanto tempo assim. Foi uma infância
eclética: gostava de brincadeiras de menina, mas também me divertia muito com
brincadeiras de moleque. As melhores lembranças daquela infância ficaram no
quintal da casa da minha tia, no topo de um morro, de onde se tinha uma bela
vista de toda a cidade. Irmãs, irmãos, primas e primos. Brincávamos juntos
subindo em árvores, de esconde-esconde, caçando borboletas (naquela época ainda
não pensávamos em preservar o meio ambiente), pulando riachos e fazendo de
conta que éramos grandes exploradores da selva. Também brincávamos de cantigas
de roda, quando o “Atirei o pau no gato” não passava de uma cantiga inocente;
hoje é considerada apologia à violência. Mudaram os gatos, as crianças ou a
consciência humana? Outra brincadeira que gostávamos era “Passarás, passarás,
algum deles há de ficar...” Ah, como era difícil escolher! E hoje, já todos
crescidos, muitas vezes nos perdemos na dúvida cruel, com pressões para
escolher um lado, como se disso dependesse nossa sobrevivência. E o “Corre
Cotia”? Para quem tinha muita energia e quem não tinha pernas vigorosas, era
pego com lencinho na mão, ou então, se esborrachava no chão e sempre havia o lencinho
para limpar o ferimento no joelho. Tudo tem uma relação: na brincadeira
“Boca-do-Forno”, faz-se tudo o que o mestre mandar e até hoje não fazemos?
Mais
crescidos, as brincadeiras mudaram. Quem disse que crianças e jovens não gostam
de frutas? Faziam logo uma “Salada mista”, onde entravam todas as frutas, e os
mais gulosos sempre escolhiam “salada mista”, com risinhos vergonhosos e
euforia de jovem que se aventurava em ações ainda proibidas, não se contentando
apenas com um aperto de mão, um abraço ou um beijo no rosto.
Minha
infância foi muito marcante. Uma diversidade. Uma polivalência. Penso na infância
de hoje, o quanto é diferente. Hoje, as crianças não brincam na terra, com os
pés no chão, não têm muito acesso a árvores para escalá-las. Não precisam
brincar de “Salada mista” para dar beijinhos naqueles ou naquelas que hoje se
chamam “crush”. Hoje, já se dá beijos em plena infantilidade, com sabor de uma
vida adulta precoce. Hoje, se os pais levam as crianças para uma fazenda, elas
ficam ansiosas para voltar para a cidade. Sentem falta do asfalto, do wi-fi, de
caçar Pokemóns. Eu parei naquela infância, sinto falta da natureza. Onde antes,
pisávamos em terra, hoje pisamos em cimento. Claro que não podemos mais caçar
borboletas e aprisioná-las, mas podemos caçá-las e observá-las, e já que estão
cada vez mais raras, aprisionarmos a imagem delas em nossas mentes.
O
que realmente faltou naquela infância foram os livros. Livros eram artefatos
desconhecidos naquela casa de família humilde, em que meus pais viviam do
trabalho pesado e mal conheceram os cadernos. A paixão por livros nasceu espontaneamente,
como um destino já desenhado e que só foi descoberto na adolescência, junto com
a descoberta do mundo e do “Penso, logo existo”. Desde então, os livros foram
adotados como companheiros fiéis. Hoje, quando leio um livro infantil, penso:
“não tive livros na infância porque eu já vivia uma história de livros, eu
estava dentro de um, que pode já ter sido escrito... ou ainda será.
Por: Denise Constantino
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