terça-feira, 9 de agosto de 2016

VIAJAR SEMPRE

Certo navegador disse que em casa mostramos nossos piores defeitos. Por isso, presume-se que devemos viajar sempre para amenizar nossos defeitos, praticar a tolerância e a paciência. Tolerância para com as pessoas mal educadas que gritam nos corredores do hotel e acordam todo mundo que poderia dormir um pouco mais. Com aqueles que fazem algazarra na piscina do hotel quando o que queremos é só relaxar ao sol, dar um mergulho e ficar em completa letargia. Paciência nas rodoviárias ou aeroportos com os atrasos. Paciência nas estradas durante congestionamentos e tantos “pare e siga”. Eu entendo o grande navegador. Em casa, temos a liberdade e a privacidade necessária para mostrarmos quem realmente somos, sem maquiagem, para expor nossas piores facetas, a sombra, conforme o pensamento Junguiano, nossa revolta, nossas mágoas e nossas angústias. Porque em casa temos de acordar cedo demais para ir trabalhar, não antes de cuidar dos pets, preparar o lanche do dia, viajar durante 40 minutos e passar o dia todo suportando pessoas com personalidades diversas e difíceis com quem somos obrigados a conviver boa parte do dia e que entram em choque com a nossa própria personalidade. E depois de um dia inteiro de trabalho, trancafiados em uma sala quadrada, de muito calor ou frio, porque em todo local de trabalho há uma discordância tradicional em relação à potência do ar condicionado, vamos embora para casa.  Passamos no supermercado, nos assustamos com os preços, enfrentamos a fila para comprar carne e depois a fila no caixa. Se estamos na fila de caixa rápido com 10 volumes e vemos alguém na frente com 20, temos de fingir tolerância ao próximo, fingir que não estamos vendo e que não somos cidadãos com direitos e deveres, fingir como a funcionária do caixa, tudo para evitar um bate-boca ou uma violência maior. E quando chegamos a nossa casa, temos de limpar os excrementos dos pets, trocar água e abastecer os portes de ração, e olhamos a bagunça e desarrumação na sala, que idealizamos como sala de revista de decoração. E vemos que o cesto de roupas sujas está cheio e que o chão está coberto de cabelos perdidos devido ao estresse, que a pia está lotada de louça suja e o fogão sujo de gordura e seu estômago reclama de fome. E depois de deixar tudo em ordem, catar as roupas depositadas em locais que não são cabides e ainda encontrar força para levar o cachorro para caminhar e aproveitar para também gastar umas calorias, pensando em ficar com a barriga “tanquinho” para o verão. E aí, depois de um banho e pensar no que vai comer, lembrar que há uma pilha de roupa para passar e o calor está insuportável para enfrentar um ferro. E antes do sono reparador, que já sabemos, não vai ser o bastante, caçar e eliminar os mosquitos sugadores do que restou do nosso sangue. Depois de tudo isso (e olha que nem citei filhos e marido) é quase impossível ser alguém sem defeitos.
            Sim, vamos viajar. E fazer de conta que essa vida não nos pertence. Que somos reis e rainhas, sermos servidos, desfrutar apenas. Entrar em um patamar de lerdeza e em um simpósio do NADA. Apenas não fazer nada e esquecer a vida que temos em casa, igual a de milhões de pessoas, geralmente mulheres. Façamos de conta que somos mais que especiais. Conheçamos outras pessoas, outras paisagens, contemplemos o mundo, as belezas da natureza, o tudo, fazendo nada. E quando esses momentos acabam é como viver a vida da Gata Borralheira, correr para a dura realidade... a nossa casa.

 P.S.- Em detrimento a toda essa divagação, voltar para casa sempre é bom, mesmo sendo maravilhoso viajar. Afinal, nosso teto é o nosso refúgio, onde nos sentimos protegidos e acolhidos e onde vivemos a plenitude da família.

Por Denise Constantino

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